ÁREA DO MISSIONÁRIO

IGREJA PARCEIRA

Cuidando de quem cuida – Parte 2

Autor: Pr. Eli Maga – Presidente dA Tarefa

O descanso é tão sagrado que o Senhor o incluiu no decálogo, ao lado de mandamentos como não adulterar e não matar. Entretanto, na prática, talvez seja o mandamento mais negligenciado por pastores e missionários. Talvez por ser considerada como algo menor, sua desobediência tem produzido consequências devastadoras na vida e nas famílias de inúmeros ministros.


É preciso reconhecer que, na maioria das vezes, é justamente a negligência ao descanso que abre espaço para a queda em outros pecados. Não são poucos os líderes que, esgotados pelas pressões do ministério e incapazes de encontrar repouso, acabam aprisionados pela pornografia, pelo álcool, pelas drogas ou mesmo por uma vida dupla em adultério. Essa realidade é dolorosa, mas cada vez mais presente. Nenhum desses comportamentos pode ser justificado, pois a queda sempre expõe o caráter. Ainda assim, é inegável: a ausência de pausas saudáveis corrói a alma do ministro. O descanso adequado renova, purifica e fortalece, enquanto o trabalho incessante o empurra para o abismo.


Já conheci muitos missionários incapazes de descansar e pastores que trabalham mais de dez horas por dia sem reservar sequer um único dia da semana para o repouso. Muitos não descansam porque vivem sob a pressão de expectativas que, pouco a pouco, se transformaram em ídolos, exigindo o sacrifício da própria saúde e da família. Outros não conseguem parar porque confiam excessivamente em si mesmos e não entregam seus fardos e desafios ministeriais nas mãos do Senhor. Há ainda os que consideram o descanso, em um mundo onde “tempo é dinheiro”, como uma espécie de heresia imperdoável.

Mas nem sempre a pressão vem de dentro. Não raramente, são criticados, julgados ou envergonhados por irmãos, colegas pastores ou missionários, quando se permitem descansar — e assim carregam sobre os ombros um jugo pesado.


Lembro-me de anos atrás, ter enviado uma mensagem de gratidão durante minhas férias aos meus parceiros de ministério — os irmãos e irmãs que sustentam em oração e financeiramente o meu trabalho missionário. A resposta de uma apoiadora, que há muito tempo investia fielmente, me surpreendeu: ela disse não acreditar que missionários devessem tirar férias, já que nem ela conseguia tê-las. Ela acreditava que tirar férias era desperdiçar tempo e dinheiro. Afirmou que não contribuiria mais, pois não queria ver sua oferta destinada a alguém que estava “na praia”. Fiquei sem reação e, naqueles dias, carreguei um peso de culpa por estar na praia com minha família. A perda daquela parceria foi significativa para o nosso sustento, mas o mais difícil foi arrancar de dentro de mim a semente de vergonha por simplesmente tirar férias com minha família.


A igreja precisa redescobrir o valor do descanso e ensinar seus pastores e missionários a fazer o mesmo. Cuidar do repouso desses servos é essencial para permanecerem firmes no longo prazo. O ministério é uma maratona, não uma corrida de cem metros. Sem pausas, até a mais bela sinfonia se torna apenas barulho.

Ignorância e a teologia do sofrimento

Um assunto tão delicado quanto os demais, mas talvez o menos debatido, o suicídio de um pastor sempre causa espanto, pois raramente alguém imagina que isso pudesse acontecer com ele. Muitas vezes, o pastor nunca teve coragem de expor seus pensamentos mais sombrios; outras vezes, o choque vem porque não se espera tal desfecho da vida de um homem ou de uma mulher de fé. O receio de se abrir, no entanto, não é sem razão: em muitas igrejas ainda existe forte preconceito quando o assunto é depressão e ansiedade. Se um cristão admite lutar com pensamentos suicidas, logo é acusado de estar possesso.

A ignorância se manifesta quando líderes rejeitam a busca por auxílio psiquiátrico ou a orientação de um psicólogo cristão.

Tal postura revela-se incoerente, uma vez que não hesitamos em recorrer a analgésicos para dores de cabeça ou a anti-inflamatórios para enfermidades do corpo. Contudo, muitos relutam em aceitar o uso de antidepressivos ou ansiolíticos quando a alma adoece. Nossas almas não existem em um plano etéreo, dissociadas de nossa constituição física; elas operam por meio de um corpo que funciona com neurotransmissores como a serotonina, a noradrenalina e a dopamina. A saúde de nosso cérebro impacta diretamente nossa saúde espiritual.


Recordo-me de um líder que repreendeu seus pastores auxiliares, chamando-os de preguiçosos quando, na verdade, estavam em depressão. Outro, de grande relevância em sua denominação, chegou a ridicularizar publicamente colegas que faziam uso de antidepressivos, acusando-os de pecadores sem fé. Não é incomum ouvir declarações de que a depressão é uma evidência de que um espírito maligno está agindo na vida da pessoa. Palavras e posturas assim não são apenas contrárias à Escritura mas revelam, sobretudo, profunda ignorância.


Há fortes indícios de que o profeta Elias atravessou um quadro de depressão quando, esgotado, pediu a Deus que tirasse a sua vida (1 Reis 19:4). Jó também mergulhou em profundo desespero, e todo o seu livro está repleto de sentimentos que ecoam a dor da sua alma. Jonas, após profetizar em Nínive, chegou a desejar a morte (Jonas 4:8). Jacó, ao lamentar a perda de José, expressou o mesmo anseio (Gênesis 37:35). Até mesmo Moisés, sobrecarregado pelo peso de conduzir o povo, rogou a Deus que o levasse (Números 11:13-15). Davi, em vários salmos, expressou profunda angústia, desespero e solidão: “Até quando estarei relutando em minha alma, com tristeza no coração cada dia?” (Salmo 13:2). Jeremias, conhecido como “o profeta chorão”, amaldiçoou o dia em que nasceu e lamentou profundamente sua existência (Jeremias 20:14-18). O apóstolo Paulo, em sua segunda carta aos coríntios, admitiu ter enfrentado tribulações tão grandes que “chegamos a desesperar até da própria vida” (2 Coríntios 1:8). E o próprio Senhor Jesus, que no Getsêmani pouco antes da cruz, declarou: “A minha alma está profundamente triste até a morte” (Mateus 26:38).


Esses exemplos mostram que o sofrimento da alma de um ministro não é sinal de possessão demoníaca, mas sim expressão da fragilidade humana diante de pressões, dores e desafios que ultrapassam nossas forças. Essa fragilidade é real e faz parte da condição humana; por isso, não devemos nos sentir culpados por sermos tentados e abatidos, assim como aqueles homens de Deus também foram.


Entretanto, há um ponto crucial: ainda que muitos deles tenham pedido a Deus a morte, nenhum atentou contra a própria vida. Aqui está a grande diferença entre Judas e Pedro. Ambos, ao perceberem o peso de seus erros foram tomados por profunda angústia. Judas escolheu o suicídio, entregando-se à derrota e à vergonha que o consumiram. Pedro, por sua vez, chorou amargamente, reconheceu sua fraqueza e buscou refúgio entre os outros discípulos. Judas perdeu a esperança; Pedro creu e encontrou redenção em Cristo.


Para vencermos o doloroso quadro de suicídios entre pastores e missionários, precisamos começar mudando nossa visão sobre a depressão. Um cristão salvo e redimido pode, sim, enfrentar essa enfermidade — e isso não diminui sua fé. Deus, em Sua graça, também nos concede meios de cuidado: medicamentos que auxiliam, terapias que fortalecem, e recursos que trazem alívio e restauram a esperança. Buscar tratamento não é sinal de fraqueza espiritual, mas um ato de sabedoria e confiança no Deus que continua sendo o nosso Médico por excelência.

Se você ainda não leu a primeira parte desse artigo, clique no link abaixo:
Cuidando de quem cuida – Parte 1

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