Por Kevin e Isabel
Enquanto servimos em nossa pequena igreja no norte do Brasil, tínhamos poucas informações sobre o que era necessário para fazermos missões entre povos não alcançados. Mas a chama desse árduo trabalho já havia brotado em nosso coração muitos anos antes.
Nos conhecemos ainda adolescentes: eu tinha 15 anos e Isabel apenas 12. Eu era recém-convertido quando recebi o convite de um amigo para participar da Escola Bíblica de Férias (EBF) da sua igreja. O evento tinha o objetivo de falar do amor de Jesus para crianças e adolescentes da igreja e da comunidade e, para minha surpresa, a líder que estava à frente era uma mulher visionária, que não “pegava leve” com crianças porque, segundo ela, o inimigo também não pegava.
Naquele dia, ela mostrou o filme Terra Selvagem, baseado em fatos reais, que retratava a realidade de povos inteiros sem acesso ao Evangelho. Não sabemos explicar porquê, mas aquele momento marcou profundamente nossas vidas. Tudo o que queríamos era, se fosse para gastar nossas vidas (e até mesmo morrer), que fosse por algo significativo como aqueles missionários do filme haviam feito.
Aquele foi o dia em que nos conhecemos e nos 8 anos seguintes trabalhamos juntos em nossa igreja local nas mais diversas áreas. Para nós, já éramos missionários. Sabíamos que Deus nos havia chamado pelo Seu Espírito e, enquanto não podíamos ir até onde havia maior necessidade, servíamos com fidelidade ali onde estávamos.
Após 8 anos de amizade decidimos nos casar. Antes disso, fizemos um verdadeiro “interrogatório” um com o outro, garantindo que nenhum dos dois atrapalharia a vocação do outro. Sempre levamos nosso chamado missionário muito a sério. Em uma conversa já casados, nos perguntamos quando tivemos a convicção de que este era o caminho que queríamos seguir. Ambos chegamos à mesma conclusão: foi no dia que assistimos aquele filme. Ali entendemos que Deus nos uniu com um só propósito.
Algum tempo depois, com os compromissos dos empregos e da igreja local, começamos a pensar se tudo aquilo que Deus havia nos falado era mesmo real. Parecia que estávamos acomodados… faltava direção, apoio, uma organização que nos ajudasse. Foi então que um missionário vindo da China visitou nossa igreja. Deus o usou para nos lembrar de uma oração que fizemos anos antes, ainda namorando, em frente ao portão da casa da mãe da Isabel. Naquela oração, entregamos nosso futuro casamento nas mãos de Deus, pedindo que Ele nos usasse onde houvesse maior necessidade. Aquele missionário descreveu essa oração em detalhes, mesmo sem nunca termos contado a ninguém. Foi Deus.
Daquele dia em diante, as portas se abriram. Fomos capacitados por diversas organizações e, durante o treinamento, fomos direcionados ao sul da Asia – onde fica o país com o maior número de povos não alcançados do mundo. Ao ver o mapa com os pontos vermelhos indicando esses povos, não tivemos dúvidas.
Uma jornada de oração, paciência e amadurecimento
Estamos no sul da Ásia há cerca de dois anos e meio, em nossa primeira fase do projeto: aprendendo o idioma local, compreendendo a cultura e nos adaptando.
A maioria da população local é hindu, mas também há uma grande comunidade muçulmana. A religião permeia todos os aspectos da vida aqui, e a perseguição contra cristãos tem aumentado. Passamos cerca de 4 horas por dia estudando o idioma, praticamos na comunidade, fazemos análise antropológica e buscamos entender quais pontes culturais podemos usar para comunicar o Evangelho. Muitos aqui nunca ouviram sobre Jesus e só escutam que estrangeiros querem mudar sua cultura.
Buscamos maneiras seguras e respeitosas de compartilhar e por isso não somos reconhecidos como missionários aqui. Legalmente, somos estudantes ou trabalhadores. Usamos nossos relacionamentos naturais para compartilhar o Evangelho.
Logo nos primeiros anos, tivemos experiências marcantes: compartilhamos a Bíblia com um molana (líder muçulmano) que, por sua vez, nos mostrou o Alcorão. O diálogo e o respeito abriram espaço para falarmos de Jesus.
Uma professora hindu, tocada pelo nosso carinho um com o outro, perguntou: – Kevin, você trata sua esposa com amor porque é estrangeiro ou porque é cristão? Isso nos deu a oportunidade de compartilhar o Evangelho. Com lágrimas nos olhos, ela confessou que não acredita mais em seus deuses, mas tem medo da família radical hindu. Ela teme ser expulsa de casa ou até morta se declarar sua fé em Jesus. Oramos com ela e seguimos crendo que o Senhor irá alcançá-la.
Temos compartilhado com muitas outras pessoas, mas nem tudo são flores. Nossa maior dificuldade é entender que não podemos caminhar tão rápido quanto gostaríamos. No Brasil há liberdade, aqui precisamos de sabedoria e paciência.
Servir também é um processo
Sentimos solidão, saudade da família e enfrentamos o peso espiritual da idolatria. O choque cultural não é uma etapa única. Ele vem em ondas. É preciso cuidado constante: apoio psicológico, acompanhamento pastoral, exercícios, alimentação equilibrada e força para seguir. Com o tempo, passamos a sentir que aqui é nosso lar.
Aqui aprendemos que Deus não depende de nós para Sua missão, mas nos dá o privilégio de participar. Pensávamos que iríamos cuidar de muitos, mas na verdade Deus cuidou primeiro de nós. Ele nos tem amadurecido e ensinado a ver com os olhos Dele.
Descobrimos que somos mais fortes do que imaginávamos, mas também mais falhos. Raiva, medo, impaciência – tudo vem à tona. Mas Deus nos trata e nos molda todos os dias.
Mas apesar de tudo isso, o Senhor nos convida a fazer parte de sua missão. Somos seres que são cuidados para cuidar, tratados para tratar e tocados intimamente por Deus para vermos com os olhos dEle esse povo que tanto precisa.
A missão é difícil, é árdua, mas não é impossível. Ela é precisa. E Deus nos escolheu para estarmos aqui. E como se não bastasse todas as dificuldades do campo, muitos no Brasil não conseguem entender a dimensão do que vivemos aqui. Só sabe quem vive e passa. Tomando como exemplo o que Jesus disse sobre odres, também dizemos sobre o trabalho missionário: não dá para colocar vinho novo em odre velho. Não podemos tentar enquadrar nossas atividades aqui nos mesmos moldes do Brasil. O odre pode se romper.
Por isso, nosso conselho é: vocacionado, creia e não tema, pois o Senhor é contigo. Mas lembre-se que o ministério começa aí mesmo. Pastores, sempre desconfiem quando alguém diz ser chamado para Índia, China ou qualquer outra nação, se nunca fez nada onde está. O chamado não é geográfico, é espiritual, e não será ativado magicamente quando pisar no país. O campo é o mundo.
Igreja, entenda que as realidades são diferentes. Celebre as vitórias do obreiro como suas. E a você, missionário nos seus primeiros anos e em choque cultural, tenha paciência com você mesmo. Confie em Deus e ore, ore muito. Esse é o segredo. Não exija demais de si, não ligue para as muitas vozes ao redor, porque se fizer isso, você vai quebrar – e poucos estarão lá com você. Ouça a voz de Deus. E se ainda não aprendeu a ouvi-la, gaste tempo com isso. E faça o que Ele mandar.
Que Deus abençoe a todos.